22/03/2017

Honrando a Poesia

Lucerna com disco decorado por busto de Baco com pâmpanos e cachos.



«CANTAREI, doravante, o que leva a abundância às terras lavradias; sob que astro convém, ó Mecenas, revirar a terra e casar a vinha com o ulmeiro; que cuidados cumpre dipensar aos bois; que tarefas requer a formação de um rebanho; e que saber exige a criação das industriosas abelhas. Vós, ó brilhantes luminares do Mundo, que guiais nos céus a marcha do ano; vós Baco e alma Cres, por cuja mercê à lande Caónia sucedeu a pingue espiga e se misturou o sumo das uvas com a água Aquelóia; vós também Faunos, protectores sempre vigilantes da grei rural, avançai, e convosco as virgens Dríades: eu canto os vossos dons! E tu, Neptuno, a cuja ordem a terra, golpeada pela vez primeira com o teu magno tridente, lançou do seio o fremente corcel! E tu, habitante dos bosques, em honra de uem trezentos novilhos brancis como a neve tosam as fartas devezas de Ceos! E tu, Pan, guardião dos rebanhos, que com tanto carinho olhas para o teu Ménalo, favorece-me, ó Tegeu! Tu, Minerva, que nos deste a oliveira; tu, moço inventor do curvo arado; tu Silvano, que usas em guisa de cajado um tenro cipreste arrancado com as raízes! E vós todos, deuses e deusas a quem cabe o cuidado de proteger os campos, que alimentais as plantas que o homem não semeou, e derramais do céu, sobre as que ele cultiva, a chuva benfazeja.

(...) Quando renasce a Primavera, e frios regatos correm das montanhas cobertas de neve, e o Zéfiro desagrega as leivas, é chegada a ocasião dos bois começarem a gemer sob o peso do arado tanchando a fundo, e de rebrilhar ao sol a elha desgastada pelo roçar nos sulcos. (...)

Mãos à obra, portanto! Comecem os teus robustos bois, desde o primeiro dia do mês, a revolver a terra feraz, para que o poeirento Verão recoza com rais ardentos de sol as glebas que se lhe oferecem..
(...) o pai dos deuses, o próprio Jove, determinou que fosse árduo o cultivo das terras,pela primeira vez as mandou fabricar obedecendo a uma arte, e aguilhoou com preocupações o coração dos mortais, não consentindo que os seus domínios entorpecessem numa pesada modorra. Antes do reinado de Júpiter não havia agricultores em luta com os campos; não era permitido dividir a terra, e assinalar extremas; os homens buscavam o proveito para o bem comum, e o próprio solo produzia mais liberalmente, sem nada se lhe solicitar. Foi Júpiter que deu às negras serpentes o veneno maléfico, quem mandou que os lobos fossem depredadores, quem ordenou que o mar se agitasse, quem, sacudindo as folhas, fez cair delas o mel; quem retirou aos homens o fogo, e estancou os vinhos que corriam. Tudo para que o homem, à força de experiência e constante exercício, forjasse pouco a pouco as várias artes, alcançasse, abrindi sulcos, as messes de trigo, e fizesse brotar das veias da pedra o fogo que se lhe havia ocultado.

(...) Foi Ceres quem primeiro ensinou os mortais a revirar a terra com o ferro, quando já lhes faltava as landes, e Dodona recusava o alimento fácil».

Virgílio, Livro I, ed. Sá da Costa, 1948: «As Geórgicas»).
Século III d.C. Ruínas de Tróia



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